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O above e o below na publicidade, na política, no desporto e na vida em geral. E algumas histórias entre linhas.
Já aqui o tinha dito e a convicção mantém-se: o regresso é, seguramente, o pior das férias.
De repente, depois de uma comunhão de interesses tão bons e prazerosos vividos com demora, segue cada um para seu lado, com as obrigações profissionais e escolares a pressionarem para que o tempo avance outra vez a um ritmo alucinante - e sem deixar que o que sobra possa ser usufruído em modo degustação, como tanto gostamos.
Felizmente a vida “por cá” é boa e cheia de outros interesses, mas este “descolar” uns dos outros, apesar de natural e inevitável, é, assumidamente, uma fase “lixada”.
Tenho o (in)feliz hábito de me deitar tarde. Por uma série, um livro, um filme, jantares ou simplesmente o prazer de uma boa conversa, nunca quero saber (nem me lembro) que tenho que acordar todos os dias às 6h45 para levar os miúdos à escola. Ontem, por uma imperdível noite quente, foi um passeio na Feira do Livro e um jantar tardio com a melhor companhia do mundo no Bairro do Avillez, que me levou a deitar (bem) tarde.
O pior disto é que são alguns os dias em que o meu caçula Mateus resolve não dormir bem ou acordar cedo - e hoje foi um desses dias. Por volta das 6h da manhã, o pequeno estafermo - que, de repente, parece apaixonado pelo pai – resolve chamar e obrigar-me a ir para a cama dele, de onde saio ao fim de 10 minutos, para voltar à base. Ele não se fica e vem para a minha cama chatear a dizer que queria brincar com carrinhos. Entre o dormitar e o “quero o carrinho” tocou o despertador. Brothers in Arms, versão ao vivo do On the Night dos Dire Straits (1993) tem estado a acordar-me nos últimos dias e assim que começaram os primeiros acordes, os olhos dele muito abertos saltaram para cima dos meus. E ele para cima de mim. Em silêncio, embrulhado ao meu colo, ouviu a música até ao fim. Perguntei se tinha gostado, ouvi primeiro um “shim” e depois um “outra vez”. E ouvi, ouvimos outra vez, a olhar um para o outro. Dia ganho para mim e a esperança maior de que a boa música atravessará gerações sem limites temporais.
Quando chegámos à Quinta de La Rosa, na 6ª feira já hora de jantar - mas ainda com luz mais do que suficiente para nos deixar basbaques com a paisagem num churrasco junto à piscina - demos por nós a pensar como é que ainda não tínhamos “aterrado”, a tão poucas horas de Lisboa, num dos mais paradisíacos locais terrenos.
Com visitas a vinhas e caves, provas de vinhos e a inauguração do restaurante Cozinha da Clara (em homenagem à avó da proprietária) - e mergulhos no rio para os mais atrevidos - este fim-de-semana perdemo-nos de paixão pelo Douro, como já nos tinham avisado que iria acontecer.
Toda a quinta tem uma vista soberba e dos quartos com a janela aberta vê-se o paraíso. O que nos acolheu era o “Cândida” e fez-me lembrar, pelo nome obviamente, Cândido, a personagem principal da sátira escrita por Voltaire em 3 dias. O mesmo número de dias em que estivemos no Douro e em que, ao contrário do jovem que se desilude ao experienciar as arduidades do mundo, acabámos a iludir-nos com a (im)possibilidade imediata de por lá passar grande temporadas.
Voltaire concluiu a sua obra com um “devemos cultivar o nosso jardim”. Nós despedimo-nos do Douro com um maravilhoso almoço no DOC e com a enorme certeza de que por lá estaremos mais vezes a tentar recuperar o tempo perdido e a cultivar o nosso.
Quando me casei, confesso que não sabia minimamente ao que ia. Sabia que estava apaixonado, que queria muito estar com a mulher da minha vida para sempre, mas, na verdade, estava longe de imaginar o que se podia passar desse dia em diante.
Hoje, 17 anos e 4 filhos depois, construímos muito mais e fomos para além do que imaginava como limite da felicidade. Hoje, continuo sem saber o que se vai passar de amanhã em diante, mas apenas porque ninguém sabe. Porque a vontade é mais que muita para que daqui a muitos anos, tenhamos a certeza que valeu (muito) a pena. Como até hoje. Ou mais.
Parabéns a nós!
O regresso é, seguramente, o pior das férias. Voltar depois de uns dias extraordinários 100% dedicados à família não é fácil.
Mesmo que estar de férias não implique - de todo - estarmos alheados das notícias do mundo ou da parte profissional, chegar ao ponto de partida implica uma espécie de confronto mais próximo dos sarampos, atentados ou derbys, para o qual não nos sentimos preparados.
Mesmo sabendo que a vida diária por cá é boa (muito boa) e que seria com toda a certeza muito pior se não tivéssemos a possibilidade de ir e “fugir” das rotinas, o triste e forçoso “descolar” outra vez uns dos outros e o voltar a habituar o corpo (e a mente) a uma adrenalina permanente são inevitabilidades de que - definitivamente - não gostamos.
Este regresso é também uma espécie de barómetro que espelha bem o quão bons foram estes dias na Bahia. Para recordar. E repetir, tantas vezes quantas o tempo e as poupanças nos permitam.
Soube há uns dias que o “The Joshua Tree” foi lançado há 30 anos. Estupefação à parte, não acreditei e pesquisei. E era mesmo verdade. E encontrei este excelente artigo no Observador. E ouvi outra vez, várias vezes, um dos álbuns da minha vida. E (re)oficializei o Running to Stand Still como a musica que mais gosto. E penso em como o seu o título se adapta e “dissolve” bem nos dias de hoje: a vida numa correria desenfreada com a sensação de que não saímos dos níveis de stress loucos em que nos metemos. A saborosa vida a desenrolar-se entre trabalho, família e amigos, sem que no entanto consigamos ter uma janela para refletir sobre o futuro, muitas vezes nem mesmo o que se afigura a curto-prazo.
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